Elfivanhiein – Plano natal
dos Elfos. Cento e vinte anos antes da Queda.
Ifriévilon
Faz dois dias que
caminho pela planície do sul e ao longe avisto as montanhas onde as “Tecelãs do Aço” habitam −
mais um dia de marcha persistente. O céu está verde como nunca, as nuvens
ofertando a sombra que as raras árvores não fornecem, graças à arte de não
depender das cidades para sobreviver que aprendi com meus pais me sinto em casa
aqui. Tem água fresca por perto, posso ouvi-la, um dos muitos riachos que
descem da cordilheira das Tecelãs. Minha pele negra resiste bem ao sol e o vento
da manhã é fresco e generoso. Afrouxo a gola da camisa e levanto a cabeça para
poder sentir melhor a brisa ascendente enquanto penso na possível aparência das
Mães da terra.
Dou um sorriso, meio
sem sentindo, admito. Respiro fundo e recomeço a caminhar, depois de alguns
minutos posso ver um pequeno córrego. Concentro-me e faço a terra a levitar até
minha mão e com esforço moldo-a na forma de um pequeno prato fundo, descartando
as impurezas do solo. Chego à margem do riacho com o prato de argila −
ainda não consigo identificar bem os minerais, mas acho que é argila −
olho ao redor para me certificar que não há algum predador a espreita e quando
confirmo a negativa me ajoelho e me farto. Logo torno a rumar em direção à
montanha.
O mundo é perfeito. E nós
elfos refletimos o orgulho perfeccionista de nossa deusa Ellendelenodorielen,
para os íntimos somente Ellen. As Tecelãs nos ajudam com o desenvolvimento psiônico
há milênios, outra criação da deusa-mãe. Dizem que a comunicação com elas é
feita através do coração por falta de um aparelho fonador apropriado. Isso
sempre me pareceu muito estranho e suspeito, e meio feminino demais. Espero que ao término de meu treinamento possa
estar recolhendo o ferro da terra e fundindo-o quase instantaneamente, dando-lhe
a forma que quiser em segundos, assim como elas fazem. Graças a Ellen, espero
que possa chamá-la assim um dia, estamos nesse mundo perfeito, esta criação espontânea
de sua benevolência. Quero ser um de seus servos mais próximos e ajudar os
elfos a crescerem cultural e socialmente.
Depois de algumas horas
de caminhada fico cansado, paro e pego na minha mochila uma fruta d’Ellen, são redondas
e vermelhas e mal cabem nas duas mãos. Uma dessas é o suficiente para matar a
fome de um guerreiro por um dia, como não sou um guerreiro sempre sobra. Tentei
forçar mentalmente uma pedra a subir até a altura que servisse para assentar,
mas sei estar longe o dia que conseguirei isso, a rocha mal se moveu sob o solo.
Coloco a mochila no chão e me assento em um tronco parcialmente apodrecido abaixo
de uma olafeira e quando estava para dar uma mordida na fruta sou surpreendido
pela coisa mais terrível que poderia surgir na planície. Primeiro a sombra,
movendo-se a meu lado, viro-me e vejo-o bem próximo, e seu fedor aumenta o medo
que ameaça me vencer primeiro. O bisão de três pares de chifre pára a metros de
mim, bufa e raspa o solo com uma pata dianteira. São carnívoros territoriais e
eu não percebi a chegada dele, talvez estivesse deitado entre as moitas
digerindo uma presa. Não sou páreo para o maior predador dessa planície e acho
que não vai dar tempo de rezar para Ellendelenodorielen.
Ele olha para mim como
eu olhava para a fruta, com fome, estava me desafiando com a aproximação, se
reagisse me atacaria a dentadas e investidas a fim de me expulsar de seu
território, como não reagi à provocação acaba de decidir que não sou um oponente
rival, somente mais comida. Espero que o meu colete de couro pontilhado com metal,
meus braceletes e botas também metálicos em algumas partes talvez possam fazer
com que se engasgue. Não, não, não. Quero conhecer as Tecelãs do Aço, não é o
fim, não vou facilitar para um animal cornudo! Talvez com um golpe de sorte eu
consiga acertar minha espada na jugular dele. O maldito começa a correr do nada
e exclamo sem pensar:
−
É isso que me deixa Puto! – e corro o mais rápido que posso.
Saco minha espada por
reflexo, não tenho real intenção de usá-la, teria que chegar muito perto, salto
por cima de uma moita e caio rolando para o lado, sinto o chão tremer pelo
galope do predador que passa rasgando mato e arrancando terra por onde passa,
não necessitaria do psionismo mineral para saber onde está a besta. Continuo a
correr após me levantar e sou seguido com fúria, faço curvas, e corro mais, as
árvores estão longe e ele se aproxima a cada passo. Olho para trás e vejo a
bocarra aberta, tropeço e bato em algo que parece ser tão duro quanto à coluna
de ferro que meu pai fez no meu quintal para sustentar o moinho. Zonzeio, mas
posso jurar que algo me empurrou para o lado, ouço um barulho de pancada
abafada e espero a morte, mas ela não felizmente não vem.
Ainda estava meio zonzo
e com grama na boca, mas pude ver quando a enorme criatura foi arremessada para
longe por outro elfo, vê-lo fazer fez parecer tão fácil. Usava uma coroa
prateada e brilhante que reluzia ao sol, e com um grande arco longo composto e argênteo
nas costas. Procurei por aljavas e quando notei que não havia tive a certeza
que era o Dantiello. Com a capa verde e vestes brancas e leves. Os cabelos eram
de um loiro quase irreal e os olhos oliva, como o céu.
Estava no chão
tapando o sol com a mão esquerda para poder ver melhor quando ele deu um passo
em minha direção e me ajudou a levantar.
Pude ver o mais nobre dos servos com clareza, e foi então que ele disse:
− Bom dia jovem
irmão, estou em uma jornada solo um pouco desgastante, teria uma fruta d’Ellen
para dividir?
− Claro
senhor Dantiello. − respondi rápido, cheguei
a levar as mãos às costas à procura da mochila que ficou ao lado do tronco,
antes de minha fuga desesperada. –
As frutas estão perto do tronco, senhor. – expliquei ao apontar.
− Ótimo,
mas não me chame de senhor, sou apenas o Dantiello. Agora vamos até lá. –
começou a caminhar e o segui de perto.
Assentei no tronco e
ele ao meu lado. Parecia esperar que eu pegasse a fruta caída ao lado da
mochila, percebi que ele não a pegaria se eu não permitisse. Como se eu pudesse
algo diante do elfo que é a maior autoridade abaixo da nossa deusa. Ainda estou
um pouco perplexo e abobalhado com esta situação. Pego a fruta e lhe entrego
uma boa porção.
− Qual
é o seu nome? – olhava-me como a um igual, e isso fez-me relaxar.
− Ifriévilon,
da aldeia de Tianel dos endouros.
− Isso
explica um jovem elfo de sua estirpe na planície do sul, sozinho. È da cultura
dos psiônicos que comungam com a terra e o fogo, o que é raro por sinal é serem
aceitos e treinados pelas Tecelãs do Aço. Caso consiga você se tornará um
grande herói para o nosso povo. Suas habilidades são raras e poderosas.
−
Obrigado, mas isso deve demorar muito e não sou um exemplo de paciência. –
ofereço meu cantil com licor de adrafar.
−
Quanto tempo meu jovem? – ele sorri do alto de sua experiência, depois
sorve o conteúdo alcoólico.
−
Se eu for dedicado deve levar algumas décadas.
−
De onde venho demora-se perto de dois séculos para se tornar um arqueiro arcano.
−
Deve ter conseguido metade do tempo, certo?
− Demorei algumas décadas a mais.
Não era um exemplo de dedicação. – a piada sou bem, pena não
ter tido atenção de entendê-la no momento.
− Mas
porque você demorou tanto? Você é o Dantiello! Você é o mais incrível dos
elfos! − exclamo sem pensar, fico
parecendo um infante falando frustrado sobre seu ídolo.
− Não,
jovem Ifriévilon, não. Não existe o mais incrível dos elfos. Todo elfo é
incrível em algo. Devemos ser incríveis para os nossos amigos, pais, filhos e
esposas. Aposto que seus pais dizem a todos que eles têm um filho psiônico
incrível.
− Pode
ser verdade o que você diz. – admito.
−
É Verdade. – devolve-me o cantil.
−
Porque os elfos dizem que o Dantiello é o mais nobre dos servos de Ellendelenodorielen?
−
Eu não sou servo somente da Ellen, sou seu servo também, e você também é meu
servo. Somos servos desse coletivo, dessa terra, de nossa prole e do futuro que
criamos agora.
− Eu
não entendi. Nós servimos à Deusa...
−
Ellen também se enquadra como serva, principalmente ela. A obrigação maior de
nos guiar a perfeição deve ser e é dela. – por um momento ele hesita,
arqueja e continua. − Ela não deveria ter servos naquele palácio,
nem deveria haver um palácio... Mas isso é algo que não deve preocupá-lo. Eu
tenho de ir e obrigado pela refeição.
Ele se levantou e
acenou com a cabeça, a capa verde era impecável e a roupa era toda branca com
detalhes em oliva. Parecia que iria sair voando dali ou entrar em algum dos
portais que tanto ouvi falar quando criança. Os cabelos loiros começaram a se
mover com o vento, assim como a capa, segurou seu longo arco prateado com
folhas desenhadas em alto relevo e começou a caminhar para o lado oposto das
montanhas, contrariando a minha imaginação. Eu fiquei ali parado e depois de um
tempo não ouvia mais os passos.
A coroa dele devia ser
dourada, é o que está nos livros. Porém, alguns mais próximos do templo da deusa
alardeiam que após algumas discussões entre eles a coroa ficou prateada, e
outros ainda dizem que ela vem perdendo o brilho a cada dia, um sinal de que
ele estaria se afastando de nossa deusa. O motivo parece ser aquele como o que
eu não deveria me preocupar. Ele tem razão, não é da minha alçada, tenho
oitenta anos para ficar mais poderoso e poder ajudar com mais que frutas. Então
talvez um dia consiga entender.
Espero que os dois
entrem logo em acordo, seria terrível um mundo onde o Dantiello e a Deusa discordassem
ideologicamente.
Recolho minhas coisas e
volto a caminhar e a pensar no que o Dantiello disse. Agora, mais do que nunca,
preciso ser aceito pelas Tecelãs do Aço.
Este conto foi escrito por Rafael Cardoso, colaborador e co-autor do Universo de Exíllia.
Revisão e edição de Rodrigo Amaral.
Este conto foi escrito por Rafael Cardoso, colaborador e co-autor do Universo de Exíllia.
Revisão e edição de Rodrigo Amaral.
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